CONCERTO USP FILARMÔNICA
Em homenagem à comunidade negra e seus artistas invisibilizados na história, a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), em parceria com a USP Filarmônica, promove um concerto para a Semana da Consciência Negra da USP.
Serão apresentadas obras musicais e literárias de compositores e poetas brasileiros pretos e pardos, procurando reconstruir uma parte essencial da memória musical brasileira, trazendo obras compostas por ex-escravizados ou descendentes de escravizados. A construção desse repertório foi possível graças às pesquisas desenvolvidas no Núcleo de Pesquisa em Ciências da Performance da Música em Ribeirão Preto (NAP-CIPEM).
Entre os artistas apresentados estão:
- Manuel Dias de Oliveira (?, 1734/1735 – Vila de São José, 1813);
- José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (?, 17?? – Rio de Janeiro, 1805);
- José Maurício Nunes Garcia (Rio de Janeiro, 1767-1830);
- José Maria Xavier (São João d’El Rey, 1819-1887);
- Anacleto Augusto de Medeiros (Rio de Janeiro, 1866-1907);
- Pixinguinha (Rio de Janeiro, 1897- 1973);
- Domingos Caldas Barbosa, Lereno (Rio de Janeiro, 1740 – Lisboa, 1800);
- Antônio Frederico de Castro Alves (Curralinho, 1847 – Salvador, 1871);
- Além de compositores anônimos de modinhas e lunduns, gêneros primordiais da música popular brasileira.
Os versos de Lereno e Castro Alves serão apresentados, respectivamente, com as novas composições dos professores e maestros Rubens Ricciardi, do USP Filarmônica, e do saudoso Olivier Toni (1926-2017).
Desde o período colonial, a música sempre foi um caminho para que artistas e povos negros pudessem enfrentar a desumanidade e crueldades da escravidão e do processo colonial, assim como o racismo que permanece até hoje. Os registros históricos evidenciam toda uma resistência através da oralidade da arte popular, com a apresentação de cantores e instrumentistas (práxis). Há também os manuscritos e impressos musicais (solfas)
coloniais e do século XIX, que trazem em si a composição, elaboração da arte e da linguagem (poíesis), com mais precisão de detalhes poético-estilísticos. Isso torna possível reconstituir todo um repertório autoral, experimental para sua época, que é pouco conhecido e divulgado.
Com esse concerto, a PRIP procura valorizar o papel histórico dos compositores e poetas negros, todos protagonistas na vida crítico-intelectual e artística do Brasil desde os tempos mais remotos, mesmo com suas obras e identidades invisibilizadas.
USP Filarmônica
A USP Filarmônica é a única orquestra de estudantes de graduação bolsistas da USP, cumprindo as atividades fim de ensino, pesquisa e extensão da universidade.
Ela busca inovar seus repertórios com a reconstrução de memória da música brasileira e exercícios de contemporaneidade, contrapondo o antigo e o novo, o clássico e o experimental, o regional e o cosmopolita. É atrelada ao NAP-CIPEM, com participação permanente no Festival Música Nova Gilberto Mendes.
Todas as apresentações sinfônicas e récitas de óperas da USP Filarmônica são gratuitas e abertas ao público em geral, com séries como FILÔ & DIREITO TEM CONCERTO e CONCERTOS USP em Ribeirão Preto e São Carlos, além de atuação em outros centros. Sua direção artística é feita pelos maestros Rubens Russomanno Ricciardi e José Gustavo Julião de Camargo.
Programa
Manuel Dias de Oliveira
(?, 1734/35 – Vila de São José, 1813)
Foto atual do órgão do século XVIII da Igreja Matriz de Santo Antônio na então Vila de São José, onde Manuel Dias de Oliveira foi o mestre de capela desde os anos 60 do século XVIII até sua morte, em 1813.
Manuel Dias de Oliveira
(?, 1734/35 – Vila de São José, 1813
compositor ex- escravizado, capitão de um regimento de homens pardos libertos no Arraial da Laje e mestre de capela na Matriz de Santo Antônio na Vila de São José (atual Tiradentes, MG). É autor de obras de devoção popular em vernáculo e não litúrgica do século XVIII, gênero musical que não houve em Portugal após a proibição dos vilancicos por João V. Seu moteto Miserere é das obras coloniais com maior número de cópias, ainda hoje encontradas em arquivos mineiros, paulistas, cariocas e portugueses.
- Eu vos adoro em Dó maior – moteto de devoção popular
- Eu vos adoro em Mi menor – moteto de devoção popular
- Miserere – moteto de Visitação de Passos na Semana Santa.
José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita
(?, 17?? – Rio de Janeiro, 1805)
Foto atual do órgão do século XVIII da Igreja da Venerável Ordem Terceira do Carmo no então Arraial do Tejuco, onde José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita atuou como organista e mestre de capela nos anos 80 e 90 do século XVIII, até aproximadamente a morte da Chica da Silva.
José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita
(?, 17?? – Rio de Janeiro, 1805),
compositor filho de escravizados, atuou sob mecenato da Chica da Silva (Arraial do Milho Verde, ca. 1732 – Arraial do Tejuco, 1796), como mestre-de-capela na Venerável Ordem Terceira do Carmo no Arraial do Tejuco (atual Diamantina, MG). Sua obra singular é caracterizada por um raro estilo religioso galante, com harmonias simples e transparência textural, incluindo-se elegantes ornamentações melódicas. Ao lado de Manuel Dias de Oliveira, é sem dúvida o principal compositor mineiro do século XVIII.
- Tercio (Arraial do Tejuco, 1783)
- Salve Regina, antífona de Nossa Senhora (Arraial do Tejuco, 1787)
Domingos Caldas Barbosa (Lereno Selinuntino)
(Rio de Janeiro, 1740 – Lisboa, 1800)
Domingos Caldas Barbosa (Lereno Selinuntino)
(Rio de Janeiro, 1740 – Lisboa, 1800)
filho de uma escravizada angolana, formado pelos jesuítas no Morro do Castelo no Rio de Janeiro e conhecido por seu nome árcade de Lereno Selinuntino, autor da Viola de Lereno, sua coleção pioneira de canções populares profanas em língua portuguesa. Introduziu no universo luso-brasileiro a valorização dos cantos populares e dos iletrados, valorizando gêneros como a modinha e o lundum, tendo sido contemporâneo e influenciado por Johann Gottfried Herder (Mohrungen 1744 – Weimar,1803) – ambos atuaram sob o mesmo mecenato do iluminista conde Wilhelm Friedrich Ernst zu Schaumburg-Lippe (Londres, 1724 – Wölpinghausen , 1777). Lereno teve ainda o mecenato de João Fernandes de Oliveira, o companheiro de Chica da Silva, tendo viabilizado a condecoração com a Ordem de Cristo para seu filho primogênito.
- Lundum da Nhanhazinha – do segundo volume da Viola de Lereno (1826, op. posth.), estreia mundial. Com arranjo de Rubens Ricciardi.
Anônimo brasileiro
Anônimo brasileiro
Parte de violino solo anotada por Carl Friedrich Philipp von Martius e publicada por Theodor Lachner (?) em Munique, ca. 1825.
- Lundum (entre 1817 e 1820) – dança popular brasileira colonial, influenciada pelo batuque
Anônimo carioca
Anônimo carioca
A partir da edição para piano pelos irmãos Laemmert
- Lundum (Rio de Janeiro, ca. 1835) – dança popular brasileira imperial, influenciada pelo batuque
José Maurício Nunes Garcia
(Rio de Janeiro, 1767-1830)
José Maurício Nunes Garcia
(Rio de Janeiro, 1767-1830)
Neto de escravizadas e mestre de capela da Real Câmara e Capela da Corte no Rio de Janeiro desde 1808 até sua morte, condecorado com a Ordem de Cristo por João VI. São conhecidas duas modinhas de sua pena, gênero protagonista na música popular brasileira dos séculos XVIII e XIX, ao lado do lundum. A modinha tem um caráter mais sentimental e melódico, diferentemente do lundum, o qual é sempre mais dançante e sensual.
- Marília, se me não amas, não me digas a verdade – modinha colonial (1833, op.
posth.)
- Beijo a mão que me condena – modinha colonial (ca. 1840, op. posth.)
José Maria Xavier
José Maria Xavier
(São João d’El Rey, 1819-1887)
Compositor romântico, descendente de escravizados, mestre de capela na Igreja do Rosário e da Lira Sanjoanense em São João d’El Rey. Trata-se da mais antiga peça concertante (para instrumento solista e orquestra de cordas) composta no Brasil.
- Pensamento sentimental (manuscritos de Ouro Preto, 1886)
Anônimo brasileiro
Anônimo brasileiro
(Segunda metade do século XIX)
De acordo com a pesquisa do folclorista Rossini Tavares de Lima (Itapetininga, 1915 – São Paulo, 1981), trata-se de uma modinha brasileira do século XIX, de autor ignorado. O tema “moreninha” atravessa o Romantismo brasileiro tanto na literatura como na música, com inúmeros títulos de obras, desde Joaquim Manuel de Macedo (Itaboraí, 1820-1882) até Henrique Alves de Mesquita (Rio de Janeiro, 1830-1906). Esta modinha homônima é das mais belas melodias da música popular brasileira, exaltando a beleza do “negro tom, que bom”.
- Moreninha – modinha imperial
Anacleto Augusto de Medeiros
Anacleto Augusto de Medeiros
(Rio de Janeiro, 1866-1907)
Filho de uma ex- escravizada, maestro da banda do Corpo de Bombeiros no Rio de Janeiro, entre outras corporações que fundou. Sua composição Yara recebeu versos de Catulo da Paixão Cearense (São Luís, 1863 - Rio de Janeiro, 1946), já com o novo título de Rasga Coração, tornando-se tão popular à época que foi citada no Choros nº 10 (1926) de Heitor Villa-Lobos (Rio de Janeiro, 1887-1959).
- Yara – Schottisch ou chotiça.
Alfredo da Rocha
Vianna Filho
(Pixinguinha)
Alfredo da Rocha Vianna Filho (Pixinguinha)
(Rio de Janeiro, 1897- 1973)
O enredo do samba da Portela no carnaval carioca de 1974, em homenagem a Pixinguinha, contou a história de seu apelido, conferido por sua avó Edwiges, trazida da África como escravizada: “Pizindin! Pizindin! Pizindin!” - a vovó assim chamava Pixinguinha: “Menino bom” na sua língua natal, “menino bom” que se tornou imortal. Pixinguinha, o “menino bom” assim definido em dialeto africano, foi maestro, arranjador/orquestrador e multi-instrumentista de fato “imortal”, pelo seu papel histórico na consolidação do Choro/Chorinho, tornando-se o mais experimental, em termos tanto formais como harmônicos, entre os compositores desse gênero da música popular instrumental urbana brasileira, além de um dos maiores melodistas de todos os tempos.
- Carinhoso (Rio de Janeiro, 1916).
Antônio Frederico de Castro Alves
Antônio Frederico de Castro Alves
(Curralinho, 1847 - Salvador, 1871)
Poeta abolicionista que foi estudante da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
- O Navio negreiro, com arranjo de George Olivier Toni (São Paulo, 1926-2017), compositor professor titular da ECA- USP, que foi fagotista do Theatro Municipal de São Paulo, fundador da Escola Municipal de Música de São Paulo, do Curso de Música da ECA-USP, da OSUSP, da OCAM, do Festival de Música de Prados e principal incentivador da fundação da USP Filarmônica.
Anônimos brasileiros
(Primeira metade do século XX)
Foto de Candomblé por Lorenzo Dow Turner (Elizabeth City, 1890 – Chicago, 1972)
Anônimos brasileiros
(Primeira metade do século XX)
Três canções populares – pesquisa com levantamento folclórico e edição de arranjos por Heitor Villa-Lobos (Rio de Janeiro, 1887-1959), com orquestração de Olivier Toni.
- Rosa Amarela
- O bastão
- Estrela é lua nova – cena de candomblé