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Instituto de Física diploma três estudantes mortos durante a ditadura militar

A cerimônia do Instituto de Física faz parte do projeto Diplomação da Resistência, iniciativa da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento e da Pró-Reitoria de Graduação

Por Erika Yamamoto (Jornal da USP)

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Fotomontagem do Jornal da USP feita com fotos de: Wikimedia CommonsMemorial da ResistênciaMemorial da Resistência e Divulgação IF-USP | Arte: Daniela Gonçalves

Na tarde desta segunda-feira, dia 3 de novembro, o Instituto de Física (IF) concedeu diplomas honoríficos aos estudantes Jeová Assis Gomes, José Roberto Arantes de Almeida e Juan Antônio Carrasco Forrastal, assassinados durante a ditadura militar brasileira.

“As universidades são agências civilizatórias. Em cerimônias como esta, dizemos que, pelo menos no âmbito da Universidade, nós não concordaremos em viver com a barbárie, com a violência, com o terror. Esses três diplomados eram estudantes, eram pessoas que lutavam por um País diferente, mais justo e mais livre. É a barbárie que rejeita a vida civilizada e todos os valores essenciais da existência humana”, afirmou a vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda.

A solenidade, realizada no Auditório Abrahão de Moraes, integra o projeto Diplomação da Resistência, que concedeu diplomas honoríficos de graduação aos 33 estudantes da USP vítimas do período.

“Esta é uma cerimônia tardia, mas necessária, em que estamos diplomando aqueles que faleceram antes de se formar. Temos também outros colegas e professores desta casa vítimas da ditadura que não estão esquecidos e serão homenageados em outra ocasião”, afirmou a diretora do Instituto de Física, Kaline Rabelo Coutinho.

Receberam o diploma em nome dos estudantes: Rafaela Altoé Carrasco Forrastal, sobrinha de Juan Antônio Carrasco Forrastal; Décio Assis Gomes, irmão de Jeová Assis Gomes; e Carlos MacDowel, amigo de José Roberto Arantes de Almeida.

“Esses diplomas são, ao mesmo tempo, testemunho e promessa. Testemunho de uma violência que não pode se repetir e promessa de uma universidade que aprende com seu passado e se compromete com o futuro. Esta diplomação é um ato de inclusão no seu sentido pleno. Inclusão significa reconhecer as exclusões históricas e os silenciamentos produzidos nesse período e promover o pertencimento, ou seja, garantir o espaço, a voz e a dignidade para todos e todas”, ressaltou a pró-reitora adjunta de Inclusão e Pertencimento, Miriam Debieux Rosa.

O pró-reitor adjunto de Graduação, Marcos Neira, ressaltou que “esse projeto nasceu do compromisso de transformar o diploma, símbolo de mérito acadêmico, em ato político de reparação e resistência, reafirmando que a Universidade é, antes de tudo, um território de liberdade e dignidade. Cada cerimônia, cada nome pronunciado, cada diploma entregue é um fragmento de verdade restaurado, um gesto de amor público à democracia e à memória”.

Os professores aposentados do instituto, Dina Lida Kinoshita e Luis Carlos de Menezes, que conviveram com os estudantes homenageados, deram depoimentos sobre os acontecimentos do período.

Também participaram da cerimônia o diretor de Direitos Humanos e Políticas de Reparação, Memória e Justiça da PRIP, Renato Cymbalista; o representante do Diretório Central dos Estudantes, Pedro Tavares; os representantes do Centro Acadêmico do Instituto de Física (Cefisma), Beatriz Persole, Elisa Torrecilha e Nadson Vital; o vereador Eliseu Gabriel; além de amigos e familiares dos homenageados.

Os homenageados

Nascido em Araxá (MG), em 1943, Jeová Assis Gomes foi estudante do IF e estagiário do Departamento de Física do Estado Sólido. Membro da Ação Libertadora Nacional (ALN), Gomes foi preso e torturado na Operação Bandeirante (Oban) em São Paulo, teve as pernas fraturadas e permaneceu detido até junho de 1970, quando foi banido para a Argélia. Retornou clandestinamente ao Brasil, em 1971, como militante do Movimento de Libertação Popular. No ano seguinte, foi preso e assassinado em Guaraí (GO), segundo testemunhos. Seu corpo jamais foi localizado.

José Roberto Arantes de Almeida nasceu em Pirajuí (SP), em 1943. Ingressou no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) em 1961, mas, com o golpe de 1964, foi expulso e preso na base aérea de Guarujá. Libertado, matriculou-se na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Iniciou sua militância no Partido Comunista Brasileiro e tornou-se vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Após fugir do Dops, seguiu para Cuba, onde recebeu treinamento de guerrilha e ajudou a fundar o Movimento de Libertação Popular (Molipo). Em novembro de 1971, foi preso no DOI-Codi de São Paulo, sendo torturado e assassinado. Sua morte foi divulgada apenas cinco dias depois, quando já havia sido enterrado como indigente no cemitério de Perus.

O estudante Juan Antônio Carrasco Forrastal nasceu em La Paz, na Bolívia, em 1945, e mudou-se para o Brasil com bolsa de estudos para concluir o curso de Física e tratar da hemofilia. Foi sequestrado pelos órgãos da repressão e, em decorrência das torturas sofridas, em 1968, foi completamente destruído física e psicologicamente. Tentou suicídio ainda no Brasil e, alguns meses depois, suicidou-se no Hospital da Cruz Vermelha de Madri (Espanha), em 1972, o que caracteriza um assassinato prolongado.

Diplomação da Resistência

A cerimônia do Instituto de Física faz parte do projeto Diplomação da Resistência, que concedeu diplomas honoríficos de graduação aos 33 estudantes da USP vítimas do regime militar brasileiro.

Resultado de uma parceria entre a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), a Pró-Reitoria de Graduação (PRG), a vereadora paulistana Luna Zarattini e o coletivo de estudantes Vermelhecer, o projeto foi uma forma institucional de reconhecer e reparar as violências, torturas, perseguições, mortes e desaparecimentos ocorridos durante os 21 anos de ditadura. Os homenageados foram selecionados a partir das investigações conduzidas pela Comissão da Verdade da USP, que se dedicou a reconhecer e reparar as injustiças do passado.

Lançado em 15 de dezembro de 2023, o projeto teve como primeiros homenageados os estudantes Alexandre Vannucchi Leme e Ronaldo Queiroz, alunos do Instituto de Geociências (IGc) e militantes do movimento estudantil. Em seguida, foram homenageados os estudantes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da Faculdade de Medicina (FM), da Escola de Comunicações e Artes (ECA), do Instituto de Psicologia (IP), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design (FAU), da Faculdade de Educação (FE), da Escola Politécnica (Poli) e da Faculdade de Direito (FD).

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